Muito prazer, meu nome é outono.

13.4.11

Estranhamente familiar.

Jean Paul. Cheiro de Jean Paul. Cabelos loiros desgrenhados, olhos azuis que me penetram a alma e um sorriso torto exatamente igual ao teu. Sentou-se ao meu lado, o filho da puta. “Um suco de goiaba”.

***

Seu cheiro atrás da orelha, fim de tarde dominical. Depois de um filme bobo, você segura a minha mão e me olha daquele jeito apaixonado, bobo.

- Prova, gabi. Por favor, prova.

- Não, amor, para. Detesto goiaba, para...

- Ninguém cai da goiabeira tomando suco Del Valle, gordinha, juro. É gostoso, vai...

Tomei um gole. E depois outro, e outro, e outro.

- Pra quem não gostava... – ele disse, rindo. De mim, comigo.

- Cala a boca. – sorri. Pra ele, com ele.

***

Jogou os cinco reais em cima da bancada e foi embora. Antes de mim, mais uma vez. Terminei meu expresso e fiquei. E continuo...

12.4.11

Sejamos Gays. Juntos.

Adriele Camacho de Almeida, 16 anos, foi encontrada morta na pequena cidade de Tarumã, Goiás, no último dia 6. O fazendeiro Cláudio Roberto de Assis, 36 anos, e seus dois filhos, um de 17 e outro de 13 anos, estão detidos e são acusados do assassinato. Segundo o delegado, o crime é de homofobia. Adriele era namorada da filha do fazendeiro que nunca admitiu o relacionamento das duas. E ainda que essa suspeita não se prove verdade, é preciso dizer algo.

Eu conhecia Adriele Camacho de Almeida. E você conhecia também. Porque Adriele somos nós. Assim, com sua morte, morremos um pouco. A menina que aos 16 anos foi, segundo testemunhas, ameaçada de morte e assassinada por namorar uma outra menina, é aquela carta de amor que você teve vergonha de entregar, é o sorriso discreto que veio depois daquele olhar cruzado, é o telefonema que não queríamos desligar. É cada vez mais difícil acreditar, mas tudo indica que Adriele foi vítima de um crime de ódio porque, vulnerável como todos nós, estava amando.

Sem conseguir entender mais nada depois de uma semana de “Bolsonaros”, me perguntei o que era possível ser feito. O que, se Adriele e tantos outros já morreram? Sim, porque estamos falando de um país que acaba de registrar um aumento de mais de 30% em assassinatos de homossexuais, entre gays, lésbicas e travestis.

E me ocorreu que, nessa ideia de que também morremos um pouco quando os nossos se vão, todos, eu, você, pais, filhos e amigos podemos e devemos ser gays. Porque a afirmação de ser gay já deixou de ser uma questão de orientação sexual.

Ser gay é uma questão de posicionamento e atitude diante desse mundo tão miseravelmente cheio de raiva.

Ser gay é ter o seu direito negado. É ser interrompido. Quantos de nós não nos reconhecemos assim?

Quero então compartilhar essa ideia com todos.

Sejamos gays.

Independente de idade, sexo, cor, religião e, sobretudo, independente de orientação sexual, é hora de passar a seguinte mensagem pra fora da janela: #EUSOUGAY

Para que sejamos vistos e ouvidos é simples:

1) Basta que cada um de vocês, sozinhos ou acompanhados da família, namorado, namorada, marido, mulher, amigo, amiga, presidente, presidenta, tirem uma foto com um cartaz, folha, post-it, o que for mais conveniente, com a seguinte mensagem estampada: #EUSOUGAY

2) Enviar essa foto para o mail projetoeusougay@gmail.com

3) E só :-)

Todas essas imagens serão usadas em uma vídeo-montagem será divulgada pelo You Tube e, se tudo der certo, por festivais, fóruns, palestras, mesas-redondas e no monitor de várias pessoas que tomam a todos nós que amamos por seres invisíveis.

A edição desse vídeo será feita pelo Daniel Ribeiro, diretor de curtas que, além de lindos de morrer, são super premiados: Café com Leite e Eu Não Quero Voltar Sozinho.

Quanto à minha pessoa, me chamo Carol Almeida, sou jornalista e espero por um mundo melhor, sempre.

As fotos podem ser enviadas até o dia 1º de maio.

Como diria uma canção de ninar da banda Belle & Sebastian: ”Faça algo bonito enquanto você pode. Não adormeça.” Não vamos adormecer. Vamos acordar. Acordar Adriele.

— Convido a todos os blogueiros de plantão a dar um Ctrl C + Ctrl V neste texto e saírem replicando essa iniciativa —

***
"Don't hate us 'cause we're happy, don't hate us 'cause we're beautiful, don't hate us if we make you smile or if we go the extra mile to make someone feel better on a really shitty day... And if you're hearing what I'm saying then I want to hear you say, "I'm gay!".

(Gabriela gosta tanto de homem que, se fosse menino, seria gay).

7.4.11

Claramente, Clara.

São Paulo conta, hoje, com dez milhões oitocentos e oitenta e seis mil quinhentos e dezoito habitantes, quarenta e três quilômetros de engarrafamento, quatro mil duzentos e trinta e sete edifícios, quinhentos e vinte e três cafés e oitenta e quatro avenidas. Tem de tudo, um muito. E de muito, um demais. É impossível encontrar alguém por acaso no meio de tanto caos, poeira e sujeira. Não existem coincidências, só um monte de poluição e celulares. Não existe destino, tampouco estrelas cadentes. São só reuniões e aviões. E gente chata, cinza, sem graça.

Entretanto, contrariando, pela vigésima oitava vez, tudo o que João julgava ter certeza, lá estava ela. Sem querer e bem ali. Lendo Dennis Lehane, como se não fosse meia noite de sábado. Dança na Chuva, página trinta e sete. Isso é livro pras quatro e vinte de um domingo chuvoso, Clara. E ninguém toma café à noite, Clara, ainda mais nesse Café, Clara. E ninguém gosta do Lehane, Clara, cadê o seu senso crítico? E sorriu.

Claramente, Clara. Com todos os cabelos loiros, trinta e dois dentes e aquela única covinha involuntária na bochecha direita. A Clara que é um ano, dois meses e quatro dias mais velha que João. E que, portanto, tinha vinte anos, onze meses, duas semanas e três dias naquele início de sábado.

Meia noite, dois minutos, vinte e três segundos. João tem muita vontade de ficar, e vai embora. Mas, no meio do caminho, tinha uma garçonete. Tinha uma garçonete no meio do caminho. Café derramado, barulho de vidro quebrado. Qualquer um olharia pra trás. Inclusive Clara. Maldito par de olhos azuis claros, Clara. Malditos olhos que me conseguem ler a alma.

Não pode acreditar que ele estava ali. E que fingiu não enxergá-la. Filho da puta. Quebrando xícaras, e outra promessa. Também não pode acreditar que continuava tão... Tão. Demais. Não quis falar com ele. Jogou o dinheiro em cima da mesa, fechou o livro e saiu em disparada. Maldito sorriso, João. Maldito sorriso que me arranca sorrisos.

- João!

Ele sentiu as pernas se colarem ao chão. Ainda não conseguia desobedecer àquela quase ordem, àquele grito de socorro. Ela andou até ele, devagar. Ele a esperou, de novo.

- Não acredito que você não ia me cumprimentar. – ela disse, sorrindo.

- Clara, eu...

- ... não te vi. Vamos fingir que não tenha visto. E agora que já viu, vai me acompanhar até em casa, certo? Colocar o assunto em dia...

Meia noite, cinco minutos, quarenta e três segundos. Ela o nota olhando o relógio.

- Anda, ta cedo. Você ainda mora no mesmo lugar?

- Sim.

- E já usa o elevador?

- Não.

- E já pode me contar o motivo?

Três segundos de silêncio incômodo. Dois sorrisos e meio.

- Será um prazer inenarrável acompanhá-la, madame. - ele respondeu, beijando-a no rosto.

Ela ficou vermelha. Ele fingiu não reparar.

- Obrigada. – ela disse, segurando a mão dele. – Foram os meus músculos, né?

- Que músculos, Clara? Os da orelha? - ele disse, zombando.

- É, foram os meus quarenta e cinco quilos de pura força e dedicação que te impediram de falar comigo, não é? Não precisa ter vergonha, John, eles assustam qualquer um... – ela disse, sarcástica.

(Não falei contigo porque sei exatamente o que quero te dizer, Clara. O que sempre quis. Sei que é também o que você quer escutar, mas não posso. Não posso, Clara, não adianta insistir).

- Eu não sabia o que dizer. Realmente não sabia, por isso não falei. Não tinha o que falar.

(Eu também não, seu imbecil. E ainda não sei, mas estou aqui, não é? Segurando a tua mão. É só mostrar que se importa, João. Só isso. Porque é tão difícil pra você? A gente não ignora um ao outro, Johnny, isso não ta certo. Não pra gente).

- Mas eu sabia, querido. Eu sinto saudades...

(Eu amo quando você me chama de querido, Clara. Dá vontade de te chamar de docinho de coco. De dar seu nome pro amor. E aí eu lembro que não posso. Não posso, chuchu, não adianta insistir).

-... da sua avó. Como ta a dona Margarida?

(É tão bonito o seu sorriso, João. E tão mais bonito quando a gente fala nessa flor. Nessa flor fantasiada de mulher. Justamente quando eu começava a acreditar que você não podia mesmo amar ninguém, tu me apresenta sua avó. Mas só a ela, né, John? Só ela.).

- Ela ta ótima, Clara. Ótima mesmo. Foi para Paris nessa última semana, mas volta na quinta. Vou buscá-la no aeroporto. – ele disse, ainda sorrindo – E ah, Clara...

- O que, João?

- Não me chama de querido. Detesto quando você faz isso.

- É, eu me lembro, querido. – ela disse e riu. Riu alto, como sempre ria.

Ele tinha se esquecido o quanto gostava do som daquela risada. Anjos cantando. E riu também. E antes que percebessem, mais nada tinha importância. Porque estavam juntos. Juntos, de novo, por mais quinze minutos e trinta e dois segundos. Conversaram. Obama, Coldplay, café, sushi. Conversaram sobre a Apple, massas e maçãs. Sobre tudo. Menos sobre aquilo, João. Menos sobre isso, Clara.

Chegaram. Quiseram se beijar.

- Que horas são, Johnny?

- Cedo.

- Que horas, Johnny?

- Uma e um.

E riram. E quiseram se beijar.

- Sou eu, Johnny. To pensando em você. Não esquece, ta?

E ela o beijou. Na bochecha esquerda.

- Não, não esqueço.

E ele a beijou. Na bochecha direita. E foi embora.

- João!

E colou-se no chão pela segunda vez naquela noite. Pela quarta vez naquela vida.

- Oi, Clara.

Olhos. Sorrisos.

- Clara?

- Por que mesmo a gente não deu certo?

- Porque você gosta do Lehane, querida. Não posso estar com alguém com alguém que lê “Dança na Chuva”. É falta de senso crítico demais.

- Filho da puta. – ela disse, sorrindo.

***

João chegou a sua casa à uma hora, dez minutos e trinta e sete segundos. Olhou para o livro encostado na sua cabeceira. “Gone, baby, gone”. Dennis Lehane. Vinte e nove orelhas marcando suas frases favoritas. Estava tudo ali. Ela, bem ali, dobrada na página setenta e três. Fechou os olhos.

Também to pensando em você, Clara. Claramente, Clara.

3.4.11

Margaridas, Margarida.

João tinha 19 anos, três meses e quatro dias naquela manhã de segunda feira. O outono já estava batendo na porta, e a garoa fina do lado de fora do apartamento parecia chorar de mansinho o final do verão. Acordou, abriu os olhos devagar, mexeu os dedos dos pés, olhou o relógio de pulso Diesel apoiado na mesa de cabeceira e, inevitavelmente, sorriu.

- Oito e oito, tem alguém pensando em mim. – sussurrou e divertiu-se com a ideia de que talvez fosse Ela.

Assim, talvez por conta das horas iguais, conseguiu o ânimo que precisava para se levantar, recolocando o relógio na parte mais branca de seu braço esquerdo.

João, diferentemente dos outros 6,5 bilhões de indivíduos que habitam este planeta, adora segundas-feiras. É o dia de visitá-La, afinal. A única mulher de sua vida, além de ser, também, a única pessoa de sua vida. Marcou com Ela meio dia e meia em ponto, em sua casa, localizada no bairro do Brooklin. O paulista, não o nova-iorquino. Portanto, tinha mais duas horas, dezessete minutos e trinta e um segundos antes de ter de sair de casa.

Resolveu fazer café, já que tinha tempo. Preto, amargo, forte... Como ele, às vezes, gostaria de ser. Tomou-o devagar, acompanhado de um cigarro Malboro mentolado. Uma hora e quarenta e dois minutos faltando. Banho, roupas cuidadosamente escolhidas, dentes, perfume, bateria no Ipod, no Ipad e... Flores. Margaridas.

Por fim, saiu, quarenta e quatro minutos antes do que precisaria. Deu de cara com o elevador, de um lado, e as escadas, de outro. Maldita arquitetura. Ressaltava seu dilema de todo santo dia, a sua pequena crise existencial.

- Ainda não. – disse, desprezando o elevador e escolhendo, assim, descer doze lances de escada, sempre com um sorriso magnífico estampado em seu rosto, causado, talvez pela convicção de que era isso que o mantinha saudável.

O percurso Avenida Ipiranga-Brooklin leva mais ou menos uma hora dois minutos e sete segundos. João estava, portanto, trinta e três minutos adiantado. Acabaria por ser pontual. Entrou no ônibus às onze horas e cinco segundos, escolheu o assento próximo à janela e observou sorrateiramente a menina sentada a sua frente. Cabelos loiros tingidos, olhos castanhos, mini saia, meia calça colorida, blusa listrada, uma unha pintada de cada cor. Daria uma bela história. Anotou suas características físicas no Ipad, para usá-la como personagem para um conto qualquer. Uma prostituta, talvez.

O tempo passou sem que João percebesse. Fumou um cigarro entre a troca de ônibus e dormiu até o Brooklin. Chegou a casa Dela faltando exatos trinta segundos para a hora combinada. Esperou na sacada, olhando fixamente o relógio de pulso e segurando as margaridas com a outra mão. Passado o último milésimo, tocou a campainha.

Ela atendeu a porta radiante, como sempre. Setenta e cinco anos, oito meses, três semanas e cinco dias. Pele morena de genética e sol, algumas rugas que, por algum motivo, deixavam-na ainda mais bonita. Cabelos castanhos, alguns brancos, curtos, bem penteados. Perfume Chanel número cinco, presente dele. E os olhos... ah, aqueles olhos! Sempre tão cheios de sabedoria, amor e pesar. João ama a sua avó. Pura, completa e simplesmente.

- Pontual, como sempre. Vamos entrando, querido! Estava com saudade! Você está maravilhoso, hoje. Essa é aquela bermuda Calvin Klein que você disse que compraria? Divina! Destaca a sua bunda que é uma beleza... – Ela disse, abraçando-o.

Ele a abraçou de volta, colocando bem mais que uma semana de saudade naquele abraço. Seis segundos depois, notou o comentário da avó sobre a sua retaguarda.

- Pare com isso, vovó! Onde já se viu, notar as nádegas da juventude? - João disse, rindo - Olhe, trouxe para a senhora. – E estendeu-lhe o buquê de margaridas.

- Ah, João! Já te disse que prefiro rosas brancas, puras! De preferência sem espinhos. Ou orquídeas. Orquídeas são tão mais sofisticadas... – Ela disse, com honestidade.

- Mas não é sempre a senhora que diz que é o presenteador que escolhe? - ele retrucou – E eu sempre vou gostar mais das margaridas, Margarida. – completou, rindo.

A avó, cujo nome é, de fato, Margarida, o abraçou novamente. Sete segundos, dessa vez. Sete segundos de expressão do mais bonito e infinito amor.

- Ok, mas da próxima vez me traga orquídeas, certo? - ela disse, terminando o abraço. – ou o almoço será uma Ceasar Salad.

- Não te trarei orquídeas e você me fará hambúrgueres, madame. É esse o combinado. – ele disse, já com a certeza de que na próxima semana seriam, de novo, margaridas.

Margarida resmungou e fingiu estar brava, mas, por dentro, sorria tão bonito quanto o sorriso de João. Ela tinha certeza de que muito mais do que orquídeas, rosas, ou perfumes caros, ela gostava que as flores favoritas de seu neto tivessem o seu nome. Margaridas, Margarida.