Muito prazer, meu nome é outono.

3.4.11

Margaridas, Margarida.

João tinha 19 anos, três meses e quatro dias naquela manhã de segunda feira. O outono já estava batendo na porta, e a garoa fina do lado de fora do apartamento parecia chorar de mansinho o final do verão. Acordou, abriu os olhos devagar, mexeu os dedos dos pés, olhou o relógio de pulso Diesel apoiado na mesa de cabeceira e, inevitavelmente, sorriu.

- Oito e oito, tem alguém pensando em mim. – sussurrou e divertiu-se com a ideia de que talvez fosse Ela.

Assim, talvez por conta das horas iguais, conseguiu o ânimo que precisava para se levantar, recolocando o relógio na parte mais branca de seu braço esquerdo.

João, diferentemente dos outros 6,5 bilhões de indivíduos que habitam este planeta, adora segundas-feiras. É o dia de visitá-La, afinal. A única mulher de sua vida, além de ser, também, a única pessoa de sua vida. Marcou com Ela meio dia e meia em ponto, em sua casa, localizada no bairro do Brooklin. O paulista, não o nova-iorquino. Portanto, tinha mais duas horas, dezessete minutos e trinta e um segundos antes de ter de sair de casa.

Resolveu fazer café, já que tinha tempo. Preto, amargo, forte... Como ele, às vezes, gostaria de ser. Tomou-o devagar, acompanhado de um cigarro Malboro mentolado. Uma hora e quarenta e dois minutos faltando. Banho, roupas cuidadosamente escolhidas, dentes, perfume, bateria no Ipod, no Ipad e... Flores. Margaridas.

Por fim, saiu, quarenta e quatro minutos antes do que precisaria. Deu de cara com o elevador, de um lado, e as escadas, de outro. Maldita arquitetura. Ressaltava seu dilema de todo santo dia, a sua pequena crise existencial.

- Ainda não. – disse, desprezando o elevador e escolhendo, assim, descer doze lances de escada, sempre com um sorriso magnífico estampado em seu rosto, causado, talvez pela convicção de que era isso que o mantinha saudável.

O percurso Avenida Ipiranga-Brooklin leva mais ou menos uma hora dois minutos e sete segundos. João estava, portanto, trinta e três minutos adiantado. Acabaria por ser pontual. Entrou no ônibus às onze horas e cinco segundos, escolheu o assento próximo à janela e observou sorrateiramente a menina sentada a sua frente. Cabelos loiros tingidos, olhos castanhos, mini saia, meia calça colorida, blusa listrada, uma unha pintada de cada cor. Daria uma bela história. Anotou suas características físicas no Ipad, para usá-la como personagem para um conto qualquer. Uma prostituta, talvez.

O tempo passou sem que João percebesse. Fumou um cigarro entre a troca de ônibus e dormiu até o Brooklin. Chegou a casa Dela faltando exatos trinta segundos para a hora combinada. Esperou na sacada, olhando fixamente o relógio de pulso e segurando as margaridas com a outra mão. Passado o último milésimo, tocou a campainha.

Ela atendeu a porta radiante, como sempre. Setenta e cinco anos, oito meses, três semanas e cinco dias. Pele morena de genética e sol, algumas rugas que, por algum motivo, deixavam-na ainda mais bonita. Cabelos castanhos, alguns brancos, curtos, bem penteados. Perfume Chanel número cinco, presente dele. E os olhos... ah, aqueles olhos! Sempre tão cheios de sabedoria, amor e pesar. João ama a sua avó. Pura, completa e simplesmente.

- Pontual, como sempre. Vamos entrando, querido! Estava com saudade! Você está maravilhoso, hoje. Essa é aquela bermuda Calvin Klein que você disse que compraria? Divina! Destaca a sua bunda que é uma beleza... – Ela disse, abraçando-o.

Ele a abraçou de volta, colocando bem mais que uma semana de saudade naquele abraço. Seis segundos depois, notou o comentário da avó sobre a sua retaguarda.

- Pare com isso, vovó! Onde já se viu, notar as nádegas da juventude? - João disse, rindo - Olhe, trouxe para a senhora. – E estendeu-lhe o buquê de margaridas.

- Ah, João! Já te disse que prefiro rosas brancas, puras! De preferência sem espinhos. Ou orquídeas. Orquídeas são tão mais sofisticadas... – Ela disse, com honestidade.

- Mas não é sempre a senhora que diz que é o presenteador que escolhe? - ele retrucou – E eu sempre vou gostar mais das margaridas, Margarida. – completou, rindo.

A avó, cujo nome é, de fato, Margarida, o abraçou novamente. Sete segundos, dessa vez. Sete segundos de expressão do mais bonito e infinito amor.

- Ok, mas da próxima vez me traga orquídeas, certo? - ela disse, terminando o abraço. – ou o almoço será uma Ceasar Salad.

- Não te trarei orquídeas e você me fará hambúrgueres, madame. É esse o combinado. – ele disse, já com a certeza de que na próxima semana seriam, de novo, margaridas.

Margarida resmungou e fingiu estar brava, mas, por dentro, sorria tão bonito quanto o sorriso de João. Ela tinha certeza de que muito mais do que orquídeas, rosas, ou perfumes caros, ela gostava que as flores favoritas de seu neto tivessem o seu nome. Margaridas, Margarida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário