Muito prazer, meu nome é outono.

24.6.11

Dentro e fora do amor


- Nada, Beatriz, além de uma palavra de quatro letras - Jon disse, aparentemente vindo de lugar nenhum.
Quis discordar.
- Não há grande segredo, então esqueça tudo o que você ouviu... O amor não é nada além de uma palavra de quatro letras.
Gritar com ele.
- Para alguns é melhor... Mas para nós? É pior.
Sacudi-lo e mandá-lo se foder, tomar no cu.
- O amor não é nada, além de uma palavra de quatro letras. - suspirou.
Continuei em completo silêncio, a não ser, talvez, por um leve ranger de dentes.
- Dessa vez, ele disse que seria a última... Da última vez, disse exatamente o mesmo.
Por pouco, não lhe bati na cara.
- Bem no fundo, você sabe: haverá uma próxima vez.
Mudei de música. Imaginei-me em outro lugar. Não tenho argumentos para provar que o amor não é o papai noel dos relacionamentos. Talvez por isso, e só por isso, eu o amasse.
Feito drogas, sábados à noite e últimos cigarros.
Sem mal entendidos, ou anéis de diamantes.
Sempre.
O papai noel está vindo à cidade.
Estou procurando um herói, Jon, e não importa o que você diga, essa não é apenas a sua velha tatuagem. Por favor, você pode ser o meu super homem hoje à noite?
- Não sou herói de ninguém - ele disse - Mas estarei aqui por você - completou.
Cala a boca, Jon Bon Jovi, e me beija.





(Todos as partes em itálico, além do título, são trechos ou títulos de músicas do Bon Jovi, traduzidos por mim. Coisa de fã retardada, eu sei).

12.6.11

Falta de sorte de toda a sorte

- O que exatamente é isso? - Ana disse, encarando a pequena criatura enrolada em meu pescoço.

- Esse, Ana, é o meu filho. – respondi, com convicção.

***

- Mas que porra é essa? - exclamei, sozinha no banheiro.

- Positivo? - disse Ana, batendo na porta.

- Verde limão. – respondi.

- Muito positivo?

- Positivo é azul, o meu é verde limão.

Eu e Ana ficamos olhando fixamente o teste de gravidez, sem entender direito o que aquilo significava.

- Deve ser algum defeito... – eu disse, por fim.

Voltamos à farmácia imediatamente, e o senhor do caixa confirmou.

- Isso acontece de vez em quando mesmo... É raro, mais ou menos uma vez em cada mil. Pega outro lá, por conta da casa.

Verde limão de novo.

- Duas vezes em cada duas mil.

- É, Maria, você não dá sorte mesmo.

***

Ana me levou ao hospital e segurou bem forte a minha mão enquanto esperávamos os resultados. Não sei o que faria sem ela.

- Maria! – o homem de branco gritou.

- É ela! – Ana respondeu, antes de eu ter tempo para abrir a boca.

- Podem entrar.

O consultório do doutor Rodrigo era exatamente como um consultório médico deveria ser. Paredes brancas, sem muita ornamentação. Uma escrivaninha, três cadeiras e uma daquelas camas pra examinar a gente. Fui direto ao ponto.

- Então, doutor, tô ou não tô? – eu disse, ansiosa.

- Tá… E não tá.

- Como assim, doutor? – perguntei.

- Então, Maria… Os seus níveis HCG elevadíssimos indicam que sim, você tá.

- Puta que pariu.

- Mas, por algum motivo, você também tem níveis elevadíssimos de testosterona. Quase que astronômicos.

- Testosterona? O dos garotos? O que faz crescer pelos e músculos? O que aquela bombada, como é mesmo o nome?... A Rebeca Gusmão, tem de sobra?

- É.

- E não posso tá grávida se tenho testosterona?

- Na verdade, pode. Isso, no máximo vai prejudicar a sua amamentação, mas é muito estranho que você, Maria, tenha tanta.

- E porque, doutor?

- Porque seria impossível, para uma menina, ainda mais uma menina como você, manter tais graus de testosterona. E por isso, você “não tá”. Só um menino tem essa quantidade desse hormônio. E meninos não ficam grávidos.

- Então eu to grávida, mas sou um menino? – disse, num misto de confusão e desespero.

- Não é nada disso. – ele respondeu, rindo - Você grávida, Maria. E tem testosterona. Mas duvido que seja um caso único. Raro, com certeza. Mas não único. Vou checar com alguns colegas e te ligo, certo? No máximo até o fim da semana.

Doutor Rodrigo deve ter perdido meu número; ou sido atropelado; ou, talvez, mudado pro Acre (acho que não pega celular no Acre), porque nunca me ligou.

***

- Calma, Maria.

- Porra, Ana. Porra. O que que eu vou fazer agora, caralho? Tem um bebê dentro de mim. O caralho de um bebê…

- Literalmente… - ela disse, brincando. E emendou - Olha, Maria, sem desespero.

- Eu tô sozinha, Ana. Sozinha com essa criança, Meu Deus.

- Deus o caralho, e sozinha cacete nenhum, amiga. Porra nenhuma. Eu tô contigo, não tô? – Ela respondeu, e me abraçou.

Ficamos naquele abraço por alguns minutos. Sem dizer nada. Eu chorava baixinho enquanto ela acariciava, de leve, os meus cabelos.

- A gente vai dar um jeito, ok? – Ela disse.

Eu não tinha assim tanta certeza, mas concordei. Precisava acreditar que daria tudo certo. E que não só pra mim, pra “gente”.

***

- Você tem de ligar. – Ela disse desse jeitinho mesmo, com o ponto final e tudo.

- Não. – ponto finalei.

- Tem sim, Maria. Ele é o pai, você TEM de ligar.

- Tenho o caralho. O filho da puta só me comeu, Ana, só me comeu e nunca mais ligou nem pra dar bom dia...

- Não é culpa dele que você deu antes do bom dia, Maria. Liga pro Judas logo. Anda.

- Judas. Como que eu fui dar pra um Judas, Ana? Olha o nome do cidadão. Só podia dar merda.

- Em defesa dele, o seu é Maria, e tu ta longe de ser virgem imaculada. Anda.

***

- Alô?

- Alô, quem fala?

- É a Maria.

- …

- …

- Maria, Judas. Maria, do banco de trás do seu carro.

- Aaah, Maria. Olha, desculpa não ter ligado é que eu…

- Você o que?

- Eu…

- O que, Judas?

- Perdi o seu número.

- E o meu facebook, né… ok, deixa pra lá.

- …

- …

- Então, Judas, é o seguinte.

- Ahn…

- Tô grávida, vou ter, é seu.

-…

-…

- Um beijo, Judas, tchau.

Desliguei antes de obter resposta, e, apenas por isso, a culpa é minha. Judas, tenho certeza, vendeu sua dignidade por uns trinta reais. E a alma por mais alguns trocados. Espero que tenha cometido suicídio. Porque o filho da puta nunca mais quis saber de mim. Ou do bebê.

Talvez eu mereça. Afinal dei antes do cantar do Galo, pra um Judas. Devia ter sido um Pedro. Depois de negar três vezes, virava Papa. Pelo menos seria rico…

***

- Foi uma ideia estúpida, Ana. Pobre não tem esse luxo...

- Cala a boca, Maria. É o meu presente pro bebê. E é só essa consulta, para de besteira. É importante.

Entramos na sala. Era frio lá dentro, ou talvez eu é que estivesse fria por dentro. Você sabia, leitor, que um único exame de ultra som custa trezentos reais? TER ZEN TOS. Quase que metade do meu salário. E com o bebê chegando, não sei... Não posso mais ficar gastando com futilidades por aí. E a Ana também não. Ela não ganha tanto a mais que eu assim...

A moça, muito simpática, colocou um gelzinho na minha barriga e passou o aparelho por cima. Senti ainda mais frio.

- Quantas semanas? – ela perguntou.

- Dezesseis. – respondi.

- Engraçado...

- O que, moça? – Ana perguntou por mim, com aquele tom que suplicava “engraçado de novo não”.

- Ta tudo aqui, sabe? O seu bebê já tem coração formado, batimentos fortes e contínuos. E a musculatura ta boa também, mas...

- Mas... ? – perguntamos.

- Ele tá num formato esquisito... Não sei direito o que é. Tem pernas e braços, mas tão pequeninos em relação ao corpo.

- E é anormal? Assim, muito anormal? – perguntei, preocupada.

- Não, não. Não parece ser nenhuma deformidade grave. Ele provavelmente é maior do que o normal.

- Ele? - perguntei.

- Sim, é um menino. Definitivamente.

- Ouviu, Ana, um menino. Ótimo.

- Chama de Jesus, pra ver se melhora, amiga – ela disse, rindo.

- E também tem alguma coisa estranha na cabeça dele, mas com certeza é só o tempo de gestação. Ainda não tá tudo formado direitinho, entende? E tem uma cauda bem pequenina, bem ali, vê?... Mas isso é comum, ela normalmente some depois.

***

Ele nasceu na madrugada do dia 25 de dezembro. Chovia, mas o cheiro de enxofre, com leves pitadas de carne queimada dominava a quitinete. Ana não estava ali.

Nada mais a declarar.

***

- O que exatamente é isso? - Ana disse, encarando a pequena criatura enrolada em meu pescoço.

- Esse, Ana, é o meu filho. – respondi, com convicção.

Tive de dar a ela um minuto ou dois. Não a culpo. Ana viu, chifres e cauda no que deveria ser um bebê pequenino, de olhos azuis e sorriso singelo. Não teve reação. Só ficou ali, olhando. Não encarando, leitor, só olhando. Tentando entender. Acho que decidiu que não poderia e, por fim, balançou os ombros e sorriu.

- Posso segurá-lo?

- É claro que pode.

- Qual o nome?

- Norberto.

- Sério, Maria? Norberto? – ela disse, rindo.

- Se você tiver mais alguma referência para nomes dragonescos, estou aceitando.

Rimos de novo. Ana me abraçou e beijou, de leve, a minha bochecha.

- Isso só acontece com você, Maria. Só com você.

- Eu sei. Ainda bem que te tenho comigo.

- Ainda bem.