Muito prazer, meu nome é outono.

20.5.11

Covardia

Abriu a janela, pôs a cabeça fora e cuspiu. Mais um dia de café da manhã desesperado e sol escaldante. O ônibus abarrotado, o suor colado à sua perna esquerda, buzinas apressadas, dureza. O peso da cabeça amordaçava tudo que tinha de delicado naquele moço. Fechou os olhos, respirou em dois tempos e pensou: a arte vem de um cansaço.

- De um, pode ser... Mas nunca do meu. – suspirou.

Pedro está, definitivamente, cansado. De seu trabalho meia boca; das mulheres, da mulher; do desespero no final do mês, do início da semana. Esse cansaço, Pedro, não é arte. É só fadiga. Foi isso que fez Van Gogh cortar a orelha fora...

- Mas eu não sou Van Gogh...

Não, não mesmo. Falta-te o empenho, a genialidade. Você, Pedro, só está cansado de viver, e demasiado amedrontado para desistir. Mas isso passa. Passou, pro Van Gogh.

Chega ao ponto da construção. Outro prédio, pedra por pedra. Seria tão fácil desmoronar...

- Coragem, Pedro. – diz, aparentemente para ninguém.

Respira fundo, segue em frente. Cimento, pedra, concreto. Cimento, pedra, concreto. Só se precisa de uma base forte, e, em cima, poderão ser erguidos duzentos e vinte e oito andares.

- Só se precisa de uma base forte...

E depois...

- Coragem, Pedro.

Pausa para o almoço.

- Mas não tenho almoço...

Beba água.

- Coragem, Pedro.

Seis e meia. Hora de ir embora. Vá à pé. Vá pela praia, você gosta do mar, de se misturar à areia.

- Coragem, Pedro.

Você tem coragem, Pedro?

- Tenho.

Então vai.

Chegou à praia. Molhou os pés. Canelas. Cintura. Pedro cansou de estar cansado. De ser cansado. Era, agora, corajoso. Tomou a audácia das ondas, tornou-se pedra.

Mas toda rocha sob a ação do mar, Pedro, vira sal.

***

O primeiro parágrafo não é meu, é do Zé, meu amigo. Créditos aqui :)

15.5.11

Rio de Janeiro - Brasília


Chego ao aeroporto com quinze minutos de antecedência, mas o seu vôo está atrasado. Minha ânsia triplica. É engraçado o quanto a saudade aumenta nesses segundos finais, como se soubesse de todos os planos traçados para liquidá-la, e crescesse feito as cabeças da Hidra, tentando evitar a todo custo aquilo que há tanto tempo lutamos para fazer acontecer. Não é amor, é a sua falta.

Resolvo tomar um café, só para ter certeza de que estou mesmo acordada. Não é, dessa vez, mais um daqueles meus sonhos delirantes de quase adolescente. Não é amor, é ansiedade.

- Só mais trinta e nove minutos, Gabriela. Fica tranquila...

Tento me lembrar do teu perfume misturado à maresia, mas só sinto o cheiro de chuva do último verão. Ainda bem que faz sol em Brasília... Não é amor, é o nascer do sol.

- Um café, por favor.

- Expresso?

- O mais rápido o possível...

A moça do caixa acha graça. Tento retribuir-lhe o sorriso, mas ela percebe a amarelidão.

- Esperando alguém?

- Trinta e quatro minutos.

- Passa rápido...

- É...

Pego o meu Expresso e percebo como os últimos anos passaram bem mais rápido que esses 2040 segundos. Ontem eu tinha catorze, você dezenove. E já te achava bonito. Demais, pra mim. Não é amor, é o gostinho do proibido.

E hoje to aqui, ainda te esperando. É a minha vez de ter dezenove. Mentira se eu disser que nunca te imaginei por aqui. Mas é verdade que nunca achei que tu realmente viria. Tentei não traçar planos, mas imaginei uma vida inteira pra esses quatro dias. Eu e você, tirando fotos de turista. Eu e você, dividindo uma cerveja. Eu e você, na beira do lago olhando o por do sol. Eu e você... Não somos amor.

- Vinte e quatro minutos.

Resolvo dar uma volta e sinto que todo mundo me olha esquisito. Como se todas as minhas roupas fossem pretas e o meu cabelo saísse da cabeça todo espetado...

- Ih, olha lá, a menina engraçada de aparelho nos dentes ainda está apaixonada por ele...

Tenho vontade de gritar que não, não é paixão! Não é amor, não é nada que desperte no estômago borboletas ou baratas. Eu só sinto a sua falta. Do seu sorriso de menino que ainda não cresceu e das nossas conversas intermináveis que, de vez em quando, não viam a madrugada passar.

- Quinze minutos.

Resolvo procurar o seu terminal. Meu coração acelera. Tento conter o frio na barriga e os pelinhos eriçados no meu braço. O seu avião está no pátio. Tenho vontade de sair correndo, minhas bochechas enrubescem e toda a água do meu corpo foge para as mãos... Digo para mim mesma que não é amor, apesar de...

Você chega, finalmente.

Uma mochila nas costas e um sorriso no rosto; e me abraça e, sem querer, me acalma.

- Oi, pequena. – e sorri.

- Oi, sunshine. – e sorrio.

E vamos embora.

Não é amor, é melhor.