Abriu a janela, pôs a cabeça fora e cuspiu. Mais um dia de café da manhã desesperado e sol escaldante. O ônibus abarrotado, o suor colado à sua perna esquerda, buzinas apressadas, dureza. O peso da cabeça amordaçava tudo que tinha de delicado naquele moço. Fechou os olhos, respirou em dois tempos e pensou: a arte vem de um cansaço.
- De um, pode ser... Mas nunca do meu. – suspirou.
Pedro está, definitivamente, cansado. De seu trabalho meia boca; das mulheres, da mulher; do desespero no final do mês, do início da semana. Esse cansaço, Pedro, não é arte. É só fadiga. Foi isso que fez Van Gogh cortar a orelha fora...
- Mas eu não sou Van Gogh...
Não, não mesmo. Falta-te o empenho, a genialidade. Você, Pedro, só está cansado de viver, e demasiado amedrontado para desistir. Mas isso passa. Passou, pro Van Gogh.
Chega ao ponto da construção. Outro prédio, pedra por pedra. Seria tão fácil desmoronar...
- Coragem, Pedro. – diz, aparentemente para ninguém.
Respira fundo, segue em frente. Cimento, pedra, concreto. Cimento, pedra, concreto. Só se precisa de uma base forte, e, em cima, poderão ser erguidos duzentos e vinte e oito andares.
- Só se precisa de uma base forte...
E depois...
- Coragem, Pedro.
Pausa para o almoço.
- Mas não tenho almoço...
Beba água.
- Coragem, Pedro.
Seis e meia. Hora de ir embora. Vá à pé. Vá pela praia, você gosta do mar, de se misturar à areia.
- Coragem, Pedro.
Você tem coragem, Pedro?
- Tenho.
Então vai.
Chegou à praia. Molhou os pés. Canelas. Cintura. Pedro cansou de estar cansado. De ser cansado. Era, agora, corajoso. Tomou a audácia das ondas, tornou-se pedra.
Mas toda rocha sob a ação do mar, Pedro, vira sal.