Muito prazer, meu nome é outono.

12.7.10

Donzela de Orléans

Trinta de maio de 1431, praça do velho mercado, Ruão - França

Agonia. Desgosto. Aflição. Angústia. E eu grito.

Dor – uma dor ardente, como nunca antes sentira. Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes? Eu fiz tudo certo, Senhor. Fiz o que as vozes mandavam. O que as Suas vozes mandavam. E os homens o que fizeram por mim? E Tu, Pai, o que fizestes por mim? Sou, hoje, taxada de bruxa, de feiticeira. Os borguinhões me capturaram, prenderam-me por dias e dias, me julgaram (como se eles tivessem esse direito), me deram comida envenenada... E aqueles ditos aliados não me salvaram. E o Senhor não me salvou. Decidiram – eles e vocês - pela minha morte, pela minha dor. E eu ainda grito.

E eu morro no coração da França. Da minha querida e amada França, pela qual eu arrisquei a minha vida, doei o meu sangue. Eu libertei suas terras, salvei o teu povo e é assim que me recompensas? A culpa é sua. Foi por ti, amada pátria, que lutei. E tu, ingrata pátria, não fostes capaz de me salvar. Morte na fogueira. Agonia. E eu ainda grito.

São noventa e quatro anos, e contando. Sede de sangue, de poder, de terras. Malditos são os ingleses e os franceses! Malditos são homens! Maldita é a guerra! Pra que tudo isso, meu Deus? Porque permites, em seu mundo, a matança desordenada, a opressão? Foi pra isso que eu lutei? Pra defender a esses que eu estou aqui? A humanidade não é irmã, muito pelo contrário. Matamos aqueles iguais a nós. Sim, matamos. E nesses, eu me incluo. Matei e morri em nome de Deus, mas pela mão dos homens. Desgosto. E eu ainda grito.

E se não fosse assim? Agora me pergunto o que teria acontecido se ignorasse as vozes, se tivesse me vestido como mulher, ordenhado as vacas e colhido os legumes. Tenho certeza de que outro seria igualmente capaz de libertar Orléans. E, se não fosse, não teria problema. Trocaríamos um líder, por outro. Um tirano, por outro. É uma pena perceber isso somente agora. Carlos VII é humano, é também sedento de sangue e de poder. Coloquei-o no trono, e, por ele, estou aqui. Aflição. E eu ainda grito.

Mas já não importa. Foi assim. Desisti da vida calma e pacata no dia em que aceitei a espada, o estandarte e o comando das tropas francesas. Fiz o que devia fazer, fiz o que as vozes mandavam. Mas, ainda assim, me arrependo, Senhor. Eu matei. Matei os iguais a mim para libertar terras sem importância. Só enxergo isso agora, e temo que seja tarde. A angústia está no ápice. E eu ainda grito, mas por pouco tempo.

Calmaria. Tranqüilidade. Paz. Silêncio. Porque já não grito.

(Joana D’arc foi canonizada em 1920, quase cinco séculos depois de ter sido queimada viva).

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