Muito prazer, meu nome é outono.

5.7.10

Arbusto genealógico

Tudo começou em Adão e Eva. Seu desejo incontrolável por maçãs e sexo foram a base da gula e do tamanho da família Caixeta Alcuri. É claro que se eu fosse contar toda a história de lá para cá, não me restariam as oito horas de sono, as quais tanto necessito para não ficar tão chata de manhã cedo. E é por isso que eu quero um arbusto, e não uma árvore, pra traçar a minha genealogia.

Optei por começar traçando o perfil das duas mulheres mais interessantes da família. Minhas bisavós. Uma materna e uma paterna, ambas por parte de avô. Vovó Vitória e vovó Mariinha (desse jeitinho mesmo, porque não gostava de Mariazinha). São o oposto perfeito, é uma pena que não se conheceram. Seriam, juntas, geniais. Melhores amigas. Ou o contrário.

Vovó Vitória era uma mulher elegante, vaidosa, mandona. Só usava vestidos abaixo do joelho, acompanhados de meia calça e sapatos fechados. Possuía uma postura invejável e morreu aos sessenta anos, vinte anos depois de tê-los completado – traço herdado pelo meu querido padrinho e tio Fábio, o irmão do papai, que tem vinte e cinco anos há quase vinte e cinco anos. Não a conheci, mas tenho certeza de que ela foi uma mulher incrível. Sei disso porque, até hoje, quando me acomodo naquela postura meio curvada, típica de adolescentes de escola particular, minha mãe vira pra mim e fala: “O que diria a sua avó Vitória, menina, senta direito!”.

Já a vovó Mariinha... Ah, essa daí era uma moleca! Vestia-se com a ingenuidade de uma menina, com vestidos floridos de pano simples. Tinha o costume de beber uma dose de pinga por dia e adorava o cheiro de perfume. Tive o prazer de conhecê-la, de admirar de perto a suas rugas de experiência, de ouvir dela as histórias mais bonitas sobre o menino que sabia voar. A bisa morreu aos oitenta e três, quando eu tinha apenas oito. E, até hoje, eu consigo ver o sorriso ingênuo de quem daqui foi embora, mas deixou um bocado na gente.

E agora eu chego nos meus avós. Dona Bernadete, Seu Alcuri. Dona Margarida, Seu Caixeta. São assim chamados os meus queridos velhinhos pelos porteiros do bloco A, da 315 norte. E é assim que eu vou gostar de lembrar deles.

A vovó Dete é mãe de cinco filhos – o Zé, a Dedeia, o Fabinho, a Jô e a Dani -, vó de seis netos – eu, o Gui, o Lipe, a Julinha, a Bebel e a Mel -, católica fervorosa, acha que todos os jogadores do Brasil são o Kaká e me acha linda de morrer (papel de avó). É generosa como ninguém! A gente mal pode dizer que gosta de algo perto dela, porque, no segundo seguinte, tá carregando um embrulho pra dentro de casa. Ela é hiperativa pra caramba! No verão, sobe e desce escada, briga com a empregada, bota a Bebel pra dormir, faz o almoço, limpa a casa, estende a cama... Enquanto tá todo mundo na praia com as pernas pro ar. Aah, a dona Bernadete! Ela é diabética, e isso é um saco. Porque daí, ela não pode comer as maravilhas que cozinha. E como cozinha! Faz o melhor petit gateu e a melhor torta de limão do mundo inteiro. Eu amo a minha avó Bernadete, e queria mesmo que ela gostasse de ficar na praia com a gente, mas entendo que prefira as caminhadas no fim da tarde – justamente porque isso, eu puxei dela.

O meu avô Alcuri teve a sorte de casar com a minha avó Bernadete. Eles brigam feito cão e gato, mas se amam feito a Dama e o Vagabundo. Não que meu avô seja vagabundo, longe disso! Ele é uma das pessoas mais incríveis que eu conheço. Ele me chama de Bibi, na verdade, BIII-BIII. Que nem o papa-léguas, sabe? Toda vez que me vê, abre um sorriso maravilhoso. E quando eu pergunto se está tudo bem ele responde feliz da vida: “Agora tá”. É fã número um de comida árabe e cerveja, o que explica bastante seu tipo físico avantajado. Mas não é egoísta com comida, longe disso! É, na verdade, muitíssimo generoso. O vovô Alcuri sempre divide o chocolate dele comigo. Foi ele quem deu pro meu irmão o álbum de figurinhas da copa do mundo. E só isso diz mais sobre ele do que qualquer palavra que eu possa escrever. Ele se preocupa com a gente, quase o mesmo tanto que nos preocupamos com ele. Queria que o seu problema pra dormir durasse pra sempre. Só pra ter ele sempre por aqui.

A vovó Margarida é a minha preferida (mas, por favor, não conte isso aos outros). Também é, ou melhor, foi mãe de cinco filhos – a Mone, o Pedro, o Rodrigo, a Lu e o Nando -, e é vó de cinco netos – eu, o Gui, o Rick, o Luca e a Anninha. Ela passou por muitas provações. Perdeu um filho, o tio Rodrigo, que morreu num acidente de carro. A filha mais nova casou-se com um alemão e foi morar lá longe, sem falar nos dois dos cinco netos, separados por mais de mil quilômetros de distância. Mas comigo, a vovó Tita não precisa se preocupar: prometo segurar o braço dela durante várias caminhadas pelo shopping, e abraçá-la por vezes sem conta. O abraço dela, por sinal, é meu porto seguro, a casa dela é meu abrigo quando eu não gosto mais da minha. A vovó Tita é a fã número um dos meus textos, da cor das minhas unhas, das roupas que eu uso. Ela também preferia o meu cabelo comprido e eu acho que, no fundo no fundo, é por isso que eu tô deixando ele crescer. Não gosto de pensar que ela tem setenta e poucos anos, porque pra mim... Parece que ela tem vinte e dois. Não é exagero dizer que a Tita é uma das minhas melhores amigas. E que eu espero fazer na vida dela um terço da diferença que ela faz na minha.

O vovô Caixeta acha que nunca é tarde pra começar a mudar o mundo. Um exemplo. Não só de vô, não só de pai... Mas de cidadão. Se todo mundo reclamasse o tanto que o meu vô reclama, esse Brasil ainda tinha jeito. Ele pagou um cara pra limpar o teto da banca – porque atrapalhava a vista, reclamou do vidro na bilheteria da rodoviária – porque não fazia sentido e fica puto com o quebra mola na entrada da minha garagem – e ainda vai lá reclamar com a síndica, mesmo que isso não seja da conta dele. Mas é da conta dele, porque é da nossa conta. E o meu avô é assim! Altruísta que só ele, preza por um amor ágape. E só tem duas coisas que ele gosta mais do que reclamar: viajar... E carros. O vovô já viajou por toda a Europa, fez um cruzeiro pela Itália, visitou a Grécia. Ele ama aprender línguas, provar novas comidas, ler e escrever (principalmente emails de reclamação...). Meu avô transpira cultura! É daqueles que ouve música clássica e prefere o vinho à cerveja. Mas ele não é chato, muito pelo contrário, é interessantíssimo. Se pudesse passaria horas e horas dos meus dias com ele me contando suas histórias. E só tem uma coisa que ele gosta ainda mais do que viajar e carros: a gente. O meu avô ama e preza pela família dele, dá pra notar.

E agora, finalmente, eu chego na geração anterior à minha. Tenho, claro, um pai e uma mãe, um padrinho (que também é pai) e uma madrinha (que também é mãe). E, fora eles, dez tios e tias que fazem as vezes de quantos pais e mães eu precisar. Mas, caramba, eu entendo que paciência tem limite. E que só eu dentro dessa sala amo a minha família tanto assim.

Então vou me ater ao que, para aqui, importa. Na Simone Maria Caixeta, que ainda não era Alcuri e no José Roberto que já é Alcuri Júnior. Ela é mineira da cidade do interior, ele é capixaba da cidade do interior. E aí, os dois decidiram vir pra outro interior, o do país. E, em Brasília, descobriram que não se chamavam Eduardo e Mônica... Mas, ainda assim, ele completava ela e vice versa, que nem feijão com arroz.

Não vou escrever aqui sobre a minha mãe e o meu pai, seriam pelo menos mais duas páginas dos elogios e defeitos do casal perfeito um pro outro. Isso fica pra um outro texto, provavelmente não de OT. Provavelmente, uma homenagem de dia das mães, dos pais, natal ou aniversário.

Basta dizer aqui que a Simone é mandona, birrenta, chorona, medrosa, assiste às comédias românticas e aos seriados e ama o José com todo o seu ser. O José é obediente, implicante, abraçador, secador de lágrimas, assiste aos filmes de terror, baixa os seriados e ama a Simone com todo o seu ser. Mas é tanto amor que transbordou.

E eles tiveram a Gabriela primeiro, o Guilherme depois. Tem dias que todo mundo desejava que eles tivessem parado pela Gabriela mesmo... Mas isso é só uma fase. O Gui ainda vai ser um amor de pessoa. Ele tem potencial pra isso. Dá pra ver pelo jeito bonitinho no qual ele atende o telefone, na risada irritante que ele dá depois de me provocar um pouco e nas músicas dedilhadas no violão.

Quanto a mim? Não sei bem o que dizer. Gosto de pensar que imito as roupas e o estilo da vovó Vitória – tirando a parte das saias embaixo do joelho -, levo comigo o jeito de moleca e o gosto por histórias da vovó Mariinha. Sou cabeça dura que nem a minha tia Jô, empolgada que nem meu padrinho Fábio, amorosa como a tia Dedeia e sentimental que nem minha dinda Lu. Com os meus avós, eu espero aprender muito mais, e levo deles carinho incondicional por todos que habitam a minha volta. Acho que falta um pouco mais do jeitinho fofo da tia Dani, do otimismo do tio Nando e da coragem do meu tio Pedro. E, dos meus primos, eu queria o companheirismo do Luquinha, o abraço da Anninha, o sorriso da Julinha, as festinhas com o Lipe... E a risada da Mel como o único som pra ser ouvido por toda a minha vida.

(Gabriela chorou rios escrevendo esse texto, e sente que irá continuá-lo em breve)

2 comentários:

  1. Gostei muito da história! Imprimí e já está fazendo parte de meu volume número 54! Pesquiso a Família Caixeta há 25 anos!

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  2. Antonio Caixeta, descendente de patureba. Pesquisador, residente em Goiânia desde 1963 - antoniocaixeta46@gmail.com

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